O mercado florestal brasileiro está prestes a passar por uma revolução com a chegada da EyeForest 2.0, uma plataforma digital, desenvolvida pela startup ForesToken, que utiliza blockchain e geointeligência para organizar e estruturar a compra e venda de madeira. A iniciativa busca resolver problemas históricos do setor, como a falta de padronização contratual, a baixa previsibilidade financeira e a dificuldade de acesso a crédito.
“O mercado madeireiro é um dos mais tradicionais do Brasil, mas carece de inovação”, afirma Rodrigo Almeida, cofundador da ForesToken. “Nossa proposta é trazer uma solução que garanta transparência, segurança e agilidade nas operações de compra e venda de madeira e auxilie tanto consumidores como produtores.”
A ForesToken foi fundada por Rodrigo Almeida e Fernando Struecker e desenvolveu um sistema inovador que promete revolucionar o mercado de base florestal, conectando produtores e consumidores, eliminando intermediários desnecessários e tornando as transações mais eficientes. “Estamos falando de um mercado que tem potencial para movimentar US$ 50 bilhões e que ainda funciona de forma analógica e desestruturada. Queremos mudar isso”, destaca Struecker.
Para se ter uma ideia, conforme o Relatório Anual da Ibá – Indústria Brasileira de Árvores, em 2023, a indústria de árvores cultivadas gerou R$ 202 bilhões de receita bruta — trata-se do quarto item da pauta de exportações do agro brasileiro e até 2028, estão previstos mais de R$ 105 bilhões em investimentos, com novas fábricas que destinam a madeira para variados fins sendo inauguradas a cada um ano e meio.

Como surgiu a ForesToken?
A ideia nasceu dentro do ambiente de inovação iForest, do Grupo Index, que possui mais de 50 anos de experiência no setor florestal. Em 2017, Rodrigo de Almeida identificou a necessidade de digitalização e estruturação do mercado madeireiro. “Percebemos que a compra e venda de madeira era um processo fragmentado, pouco organizado e com alta dependência de intermediários. Essa desorganização inviabiliza o ingresso de capital no mercado de base florestal. Era preciso criar um sistema mais eficiente”, explica Almeida.
Vale dizer que a percepção dessa necessidade vem da sua atuação de mais de 25 anos no mercado de base florestal, englobando desde estudos nessa área, passando por fases de negociação e estruturação dos negócios, e a formação de fundos de investimentos.
Em 2019, Almeida iniciou conversas com Fernando Struecker, advogado e especialista em tokenização e criptoativos. “Desde 2018, eu estudava a tokenização e suas implicações jurídicas. No início, não havia uma regulamentação clara, mas agora já temos um arcabouço regulatório em construção, o que trouxe segurança ao projeto”, conta Struecker, que é responsável pela estruturação jurídica da plataforma.
A partir dessa parceria, surgiu a ForesToken, com a proposta de criar um sistema seguro e eficiente de compra e venda de madeira utilizando blockchain. “Queremos estruturar o processo de compra e venda de madeira, para, futuramente, conforme a evolução do ambiente regulatório, aproximarmos o mercado financeiro e seus produtos como antecipação de recebíveis, crédito e contratos futuros”, pontua Almeida.
Partindo de investimentos próprios dos fundadores e aporte Anjo, além do apoio do grupo Index, que ofereceu infraestrutura e assessoria técnica, a empresa passou pelo programa de aceleração da Shell Startup Engine, que ajudou a refinar o foco da empresa. Em seguida, recebeu um investimento Seed da Colligo para finalizar e lançar a versão 2.0 do EyeForest, que inclui módulos como monitoramento e análises geoespaciais de operações florestais (ForestManagement), gestão da compra e venda de madeira (Forest Chain) e rastreamento da madeira (ForestTracker).

Desde janeiro, quando a plataforma lançou o seu primeiro módulo, Forest Management, comercializou aproximadamente R$ 500.000,00. O modelo de negócio combina licenciamento anual do sistema e taxas por customização, integrações e serviços como assinaturas digitais, registros de contratos, assim como compras de plugins próprios ou de terceiros.
Questão regulatória: desafios e soluções
Um dos principais desafios enfrentados pela ForesToken foi a incerteza regulatória sobre a tokenização de ativos reais. Quando o projeto foi idealizado não havia normativas claras sobre como os tokens poderiam ser enquadrados legalmente. No entanto, com a evolução do marco regulatório dos criptoativos no Brasil, em 2023, e a atuação do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o cenário começou a se definir.

“O Banco Central assumiu a competência regulatória das chamadas ‘prestadoras de serviços de ativos virtuais’, que envolve as tokenizadoras, e as normativas estão em fase de detalhamento”, explica Struecker. “Nossa plataforma não funciona como uma exchange de criptoativos, mas sim como um sistema que permite consumidores e produtores a comprar ou vender madeira de forma segura e estruturada no ambiente blockchain.”
Foto: Fernando Struecker, advogado e especialista em tokenização e criptoativos, cofundador da ForesToken / Crédito: Arquivo Pessoal
A ForesToken foi desenvolvida para atuar dentro das regras estabelecidas, garantindo que a tokenização de contratos de compra e venda de madeira não configure um valor mobiliário.
“Não estamos captando investimentos especulativos. Não há possibilidade de se comprar ativos virtuais na plataforma. Nosso token representa o registro de um contrato de compra e venda de madeira. É um NFT (non fungible token) da transação comercial que ocorreu na plataforma entre dois agentes privados, um consumidor e outro produtor de madeira”, afirma Almeida.
Em outras palavras, o token gerado pelo sistema representa toda a negociação da madeira, garantindo a posse e simplificando as transações. “O nosso sistema utiliza blockchain para estruturar a compra e venda de madeira, permitindo que produtores e compradores negociem de forma segura e transparente. Um dos grandes diferenciais é a possibilidade de swap florestal, uma ferramenta fundamental para gestores florestais economizarem com logística de transporte. Além disso, o sistema facilita a emissão de notas fiscais, o monitoramento e o rastreamento da floresta plantada via satélite”, diz Almeida.
No futuro, com a evolução da regulação de agentes tokenizadores, essa estruturação aproximará o mercado de base florestal do setor financeiro, possibilitando a oferta de uma diversidade de produtos financeiros, ainda, inacessíveis para a maioria dos produtores florestais.
“O foco atual, porém, é educar o mercado e consolidar essa nova forma de negociação mais estruturada”, enfatiza o executivo.
Como funciona na prática?

A plataforma opera por meio da tokenização dos contratos de compra e venda de madeira, garantindo rastreabilidade, segurança jurídica e previsibilidade para produtores e consumidores.
- Cadastro e Monitoramento: O produtor com auxílio do consumidor ou um representante da ForesToken cadastra sua floresta na plataforma, fornecendo informações detalhadas sobre localização, volume, espécie e certificações. Utilizando geointeligência e imagens de satélite, o sistema valida e geoespacializa os dados e cria um histórico transparente do ativo.
- Negociação Segura: Em um ambiente seguro e privado, compradores e vendedores podem negociar e utilizar ferramentas tecnológicas para validar a operação. O comprador interessado faz uma oferta de preço no m3 do projeto oferecido e, em caso de aceite, ambas as partes assinam um contrato de compra e venda de madeira que passa a ser registrado em nossa blockchain. Esse contrato é convertido em um token não fungível (NFT), que representa a negociação e garante a posse da madeira.
- Execução da Transação: Em um ambiente privado e seguro, compradores analisam os projetos disponíveis, considerando idade da floresta, espécie, condução silvicultural e documentação fundiária e ambiental. Com base nessa avaliação, fazem uma oferta pelo preço do m³ da madeira. As negociações ocorrem em salas de reunião privadas, integradas a WhatsApp e videoconferência, com possibilidade de transcrição automatizada por IA para maior transparência. Uma vez aceita a oferta, o contrato digital de compra e venda é gerado automaticamente e assinado eletronicamente por ambas as partes. Em seguida, ele é registrado na blockchain e convertido em um token não fungível (NFT), que garante a posse da madeira negociada e assegura total rastreabilidade da transação.
- Entrega e Rastreabilidade: A madeira negociada é monitorada via imagens de satélite e ferramentas de WebSIG (Forest Management), garantindo total transparência desde a negociação até a entrega ao comprador final. Durante essa fase, os smart contracts operam os pagamentos de forma automatizada, liberando os valores conforme as regras de entrega acordadas e o volume efetivamente retirado. Isso garante segurança tanto para quem vende quanto para quem compra, reduzindo riscos financeiros e operacionais.
“A operação da madeira apresenta desafios logísticos e jurídicos únicos, tornando o uso da tecnologia blockchain essencial para trazer mais eficiência ao setor”, destaca Struecker.
“A escolha pela tecnologia Hyperledger Besu, uma blockchain permissionada, ou seja, fechada a usuários autorizados, aumenta a segurança e privacidade dos nossos clientes. Ela está alinhada também com o DREX, do Banco Central, pois visamos futuras integrações para pagamentos programados dentro desse ecossistema. Logo, o sistema opera em um ambiente fechado, com rígidas políticas de segurança (KYC), preparando-se para uma eventual abertura ao mercado financeiro e ao DREX”, conta o cofundador.
Ele explica, ainda, que diferente de outros ativos, a madeira passa por uma transformação de sua natureza jurídica ao longo do tempo: enquanto está na terra, é considerada um bem imóvel por conta do artigo 79 do Código Civil, mas ao ser cortada, torna-se um bem móvel. Essa dualidade gera complexidade regulatória, jurídica e contábil, exigindo um controle rígido sobre documentação, como notas fiscais e registros, para a comercialização e futura movimentação da madeira estar em conformidade legal.
“A blockchain permite encapsular todas essas informações dentro de um token, funcionando como um “container digital” que centraliza dados sobre a madeira – desde sua origem e idade até as transações comerciais. Isso reduz a necessidade de múltiplos contratos e intermediários, simplificando o processo e diminuindo custos operacionais”, pontua Struecker.
Além disso, a rastreabilidade proporcionada pela blockchain assegura maior transparência, permitindo que compradores verifiquem facilmente o histórico do ativo, similar a uma matrícula imobiliária que concentra todas as negociações e averbações relacionadas a um imóvel.
“Com isso, a tokenização do processo de compra e venda de madeira traz mais segurança para as negociações, diminui custos com due diligence, elimina barreiras burocráticas e intermediários, tornando o mercado mais ágil, dinâmico e com menores custos de transação”, afirma Struecker.
Perspectivas futuras da ForesToken
Contribuindo para o desenvolvimento desse mercado bilionário, a ForesToken busca consolidar-se como a principal empresa de tecnologia do mercado de base florestal, focada em desenvolver soluções para toda a cadeia produtiva da madeira.
“Nossa meta primária é estruturar o mercado de compra e venda de madeira e, no futuro, com a evolução regulatória, estar pronto para auxiliar na estruturação do primeiro mercado secundário de madeira do mundo totalmente desenvolvido em blockchain”, explica Almeida.
O objetivo é atrair 12 grandes players para a plataforma, chamados de early adopters*, permitindo que cada um crie seu próprio mercado de compra e venda de madeira e traga mais produtores para dentro desse ecossistema. A estratégia também prevê a expansão para outras regiões promissoras da América Latina.
“O foco inicial está no Paraguai, onde uma nova planta está em desenvolvimento e há potencial para estruturar o mercado de compra e venda de madeira desde o início. O Uruguai também é visto como um mercado promissor, ainda que menor”, acrescenta Almeida.
Em linha com a evolução do ambiente regulatório, a empresa pretende avançar na aproximação do mercado financeiro, tornando possível a oferta de crédito para os produtores florestais e, futuramente, a estruturação de contratos futuros de madeira. Além disso, a tecnologia poderá ser utilizada para aprimorar processos sustentáveis, como rastreamento de certificações, gestão florestal integrada com projetos de crédito de carbono.
“A ForesToken será um divisor de águas no mercado florestal, trazendo digitalização, transparência e segurança para um setor historicamente que ainda possui muitas oportunidades de avanço tecnológico e de inteligência financeira. Estamos apenas no começo de uma grande transformação e queremos mostrar para o mundo financeiro todo a força do setor de base florestal”, conclui Rodrigo Almeida.
A plataforma entrará em operação no primeiro semestre de 2025, com a expectativa de transformar o setor e abrir novos horizontes para a comercialização de madeira no Brasil e no mundo.
Linha do tempo: a trajetória da ForesToken
- 2017: Rodrigo Almeida identifica a necessidade de digitalizar e estruturar o mercado de madeira.
- 2019-2020: Início das conversas com Fernando Struecker sobre a viabilidade da tokenização no setor florestal.
- 2021: Criação da ForesToken dentro do ambiente de inovação iForest do Grupo Index.
- 2022: Desenvolvimento das primeiras provas de conceito e testes da plataforma.
- 2023: Participação no programa Shell Startup Engine, que ajudou a aprimorar o modelo de negócio. “Esse foi um momento-chave para refinarmos a ideia e estruturarmos melhor o modelo operacional da plataforma”, comenta Almeida.
- 2024: Aporte da Colligo, permitindo a expansão da plataforma e a finalização da estrutura de negociação de madeira. “Esse investimento foi fundamental para tirarmos a ideia do papel e lançarmos a solução no mercado”, diz Struecker.
- 2025: Lançamento do módulo EyeForest – Forest Management em janeiro, dando início à expansão da plataforma. Ao longo do ano, será lançado oficialmente o EyeForest 2.0, acessado por um portal único, unificando todos os módulos da solução. Entre eles, estará o ForestChain, módulo dedicado à compra e venda de madeira, inicialmente disponibilizado para um grupo seleto de early adopters, com foco na estruturação do mercado e no aprimoramento das negociações digitais de madeira. No segundo semestre, será disponibilizado o Forest Tracker, módulo de rastreabilidade que garantirá maior transparência e controle sobre a origem e o fluxo da madeira dentro do ecossistema EyeForest.
- 2026: Conforme a evolução do ambiente regulatório no Brasil avançar, o objetivo será aumentar a oferta de serviços financeiros e aproximar o mercado de base florestal dos centros financeiros mundiais e seguir para uma possível expansão internacional.
*Early adopters são os primeiros usuários ou clientes a adotarem um novo produto, serviço ou tecnologia antes que ele se torne amplamente popular. Eles costumam ser inovadores, dispostos a testar novidades e influenciar outros consumidores. Empresas valorizam os early adopters porque eles ajudam a validar a solução, fornecem feedback essencial para melhorias e contribuem para a disseminação do produto no mercado.