Por William Santos Oliveira (Timenow/CMPC) – Desde o estabelecimento da indústria de celulose e papel nos países nórdicos no século XIX, essa indústria teve um impacto significativo nas rendas, nos empregos e no consumo e produção de energia dos países. Por exemplo, na Finlândia, quase 70% da energia renovável foi gerada dentro da indústria florestal (1) e a indústria demonstrou amplo interesse em desenvolver e produzir novos produtos de alto valor, como biocombustíveis, biocompósitos e plásticos de base biológica, e em revisar seus modelos de negócios, o que poderia levar a fluxos de receitas adicionais, a partir de um portfólio diversificado de produtos e maior competitividades (2).
O setor de celulose e papel no Brasil obteve uma receita bruta de R$ 260 bilhões em 2022, de acordo com a Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ) e globalmente espera-se que o mercado atinja US$ 377,58 bilhões até 2029, de acordo com a Exactitude Consultancy, que é uma empresa especializada em pesquisa de mercado. A indústria de celulose e papel sempre esteve intimamente ligada à bionergia devido ao seu consumo de madeira como matéria-prima, embora a taxa de reciclagem de papel e cartão tenha aumentado. Embora aproximadamente 45% da madeira bruta possa ser convertida em celulose, a parcela restante cria potencial para aumentar a eficiência dos recursos do setor. Ou seja, o setor está em posição favorável para o incentivo de tecnologias sustentáveis, como bioenergias, gerando uma ampla variedade de produtos, incluindo produtos químicos, materiais, combustíveis e energia, a partir de matéria-prima de biomassa. No entanto, a relação custo eficácia continua a ser um desafio para a implementação futura de biorrefinarias.
Purificação de metanol
O metanol (CH3OH) é um dos produtos químicos e intermediários químicos mais comercializados em todo o mundo, mas também é usado em aplicações de combustíviel para motores. Numa fábrica de celulose, o metanol condensa em condensado sujo durante o estágio de evaporação da recuperação química. A Valmet estima que uma típica fábrica de celulose kraft produza 10-15 kg de metanol por tonelada de celulose seca ao ar (ADt). Embora o condensado de metanol seja comumente descartado na fábrica de celulose por combustão em caldeira de recuperação ou em forno de cal, o metanol bruto raramente purificado para atender ao padrão de aditivo de combustível para transporte. Algumas fábricas de celulose, em vez disso, compram biometanol puro para ser usado na produção de dióxido de cloro, que é usado como um produto químico de branqueamento (4). O metanol purificado pode ser usado como solvente industrial, pois dissolve alguns sais melhor do que o etanol, também pode ser utilizado na indústria de plásticos, na extração de produtos animais e vegetais, e também é a matéria-prima na produção de formaldeído, o que pode contribuir no aumento de receitas de uma fábrica de celulose.
Extração de lignina kraft
Durante o processo de polpação Kraft, a lignina presente nos cavacos de madeira se degrada e se dissolve no licor de cozimento. Tradicionalmente, a lignina dissolvida, aproximadamente 98%, foi queimada junto com o licor negro na caldeira de recuperação para produzir calor e energia. Outra opção é extraí-lo do licor negro, o que permite diminuir a carda da caldeira de recuperação, o que pode ser um gargalo para o aumento da capacidade de produção de celulose (5). A lignina extraída pode ser usada como matéria-prima para vários propósitos, como ligantes, adesivos, revestimentos e bioplásticos, mas também processada para produtos de bioenergia (por exemplo, gaseificada com o método Fischer-Tropsch para diesel renovável ou usada diretamente como combustível no forno de cal ou na produção de energia). No Brasil, a Klabin (Telêmeco Borba) implementou a tecnologia Lignoboost, fornecida pela Valmet para a extração de lignina, a planta tem a capacidade de produzir até 1 tonelada de lignina por dia. No processo Lignoboost, a lignina é precipitada pela redução do pH do fluxo de licor negro separado do processo de evaporação, o que diminui a solubilidade da lignina (6).
Gaseificação da casca
Nas fábricas de celulose, o Forno de Cal usa combustíveis fósseis ou/e combustíveis auxiliares para manter a queima. Hidrogênio, gás produzido a partir da gaseificação de biomassa, biomassa torrificada, lignina e biomassa pulverizada foram propostos como substitutos para combustíveis fósseis. O sistema de gaseificação de casca é composto de pré-tratamento de biomassa (secagem, lascamento e moagem), gaseificador e forno de cal. Tanto gaseificadores de leito fixo quanto de leito fluidizado circulante (CFB) foram implementados na indústria de celulose e papel (7).
Os principais motivadores para os investimentos em gaseificadores são ambientais e econômicos. A casca é um combustível de baixo custo, que geralmente está disponível em fábricas de celulose em grandes quantidades. O baixo valor calorífico da casca úmida diminui sua competitividade em relação a outras matérias-primas. A utilização de resíduos de baixo custo aumentam a autossuficiência da fábrica de celulose e reduz a dependência da variação nos preços dos combustíveis fósseis. No Brasil, a Bracell contém dois gaseificadores, e cada um produz 87 MW de energia.
Planta de ácido sulfúrico
Uma planta de ácido sulfúrico pode produzir um produto de alta qualidade comercial a partir dos gases não condensáveis concentrados (CNCG) usando o processo de Wet-gas-sulfuric Acid (WSA) que usa conversão catalítica e condensação. Até 99,99% do enxofre em CNCG, segundo a Andritz, pode ser convertido em ácido sulfúrico concentrado. Esse tipo de tecnologia ajuda a gerenciar e controlar o equilíbrio de sódio e enxofre (Na/S) e evita custos com despejo de cinzas volantes de caldeira de recuperação. No Brasil, empresas como a Suzano e a Klabin já adquiriram esse tipo de tecnologia.
Conclusão
A implementação de tecnologias cada vez mais otimizadas, dependerão da viabilidade econômica, para que a indústria de celulose e papel possa absorvê-las. Com isso, alinhado com empresas conhecidas do ramo tecnológico, a indústria brasileira deverá buscar empresas brasileiras que possam contribuir no fornecimento da tecnologia. A criação de emprego e o desenvolvimento rural decorrente de projetos de bioenergia são importantes para os consumidores, como a indústria florestal tradicionalmente tem uma forte presença local e cria empregos diretos e indiretos na área, o apoio local tende a ser forte. Sendo assim, é importante que as empresas invistam em grupos de pesquisa para o desenvolvimento de ideias e tecnologias para otimizar e tornar mais sustentável os seus processos.
Referências
- Finnish Forest Industries, Energy (2010)
https://www.forestindustries.fi/uploads/2017/03/30041743/886.pdf
- Resource Efficiency in the Pulp and Paper Industry – Making More from Our Natural Resources (2015) .
- Confederation of European Paper Industries (CEPI), Types of Pulping Processes, (n.d.). http://www.cepi.org/node/22334 .
- Valmet Methanol, from Waste Byproduct to Valuable Fuel. Valmet (2018)
- R. Font, M. Esperanza, A.N. García. Toxic by-products from the combustion of Kraft lignin Chemosphere, 52 (2003), pp. 1047-1058, 10.1016/S0045-6535(03)00294-7
- T. Aro, P. Fatehi. Production and application of lignosulfonates and sulfonated lignin. ChemSusChem, 10 (2017), pp. 1861-1877, 10.1002/cssc.201700082
- M. Towers, M. Ortiz-Cordova, B. Adams, R. Vandergriendt, P. Beaty, Gasification to Power Kraft Mill Lime Kilns, (n.d.).