As evidências de mudança global no clima tornam-se cada vez mais claras e aumentam a frequência e a força de eventos climáticos extremos. Assim, governos e empresas estão deixando de perguntar se é preciso promover a gestão adequada de Resíduos Sólidos Urbanos (RSU) e vêm discutindo como, quando e quanto é preciso investir para reduzir e/ou promover uma destinação final sustentável aos resíduos.
De acordo com a Associação Brasileira de Resíduos e Meio Ambiente (ABREMA), estima-se que o brasileiro tenha gerado uma média de 1,04 kg de RSU por dia em 2022. Aplicando esse valor à população brasileira divulgada pelo Censo Demográfico 2022, estima-se que aproximadamente 77,1 milhões de toneladas de RSU foram geradas no País em 2022. Isso corresponde a mais de 211 mil toneladas de resíduos geradas por dia, ou cerca de 380 kg/habitante/ano.
Regionalmente, o Sudeste apresenta a maior geração de RSU per capita, com cerca de 449 kg gerados por habitante em 2022. Na outra ponta, encontra-se a região Sul, com uma geração anual de 284 kg de RSU por habitante. O Sudeste também é responsável pela geração de 104 mil toneladas diárias de RSU, o que representa aproximadamente 50% da geração nacional. Por outro lado, a região que menos contribui para o total nacional é a Norte, responsável pela geração de 15 mil toneladas diárias, o que equivale a 7,3% dos RSU do Brasil.
Conforme o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA), nas cidades brasileiras, a crescente geração de RSU e as práticas de descarte estabelecidas, aliadas ao ainda alto custo de armazenagem, resultaram em volumes crescentes de RSU acumulados e, historicamente, em sérios problemas ambientais e de saúde pública. Ao longo dos anos, a disposição irregular de RSU tem causado a contaminação de solos, cursos d’água e lençóis freáticos, além de doenças como dengue, leishmaniose, leptospirose e esquistossomose, entre outras, cujos vetores encontram nos lixões um ambiente propício para sua disseminação.
No Brasil, em comparação com países desenvolvidos, a reutilização, reciclagem, compostagem, recuperação e aproveitamento energético ainda não desempenham papel econômico de destaque como atividade rentável. Embora a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) determine que os sistemas de logística reversa dos produtos sejam de responsabilidade do setor empresarial, não houve, até o momento, a implementação desses sistemas em escala considerável, o que dificulta ainda mais a gestão dos RSU.
No Brasil, um dos principais exemplos de marco regulatório foi a Lei n.º 14.026, de 15 de julho de 2020, que alterou diversos dispositivos legais, nomeadamente a Lei n.º 11.445 de 5 de janeiro de 2007 – marco legal das diretrizes nacionais para o saneamento básico, com enfoque na universalização dos serviços e na prestação de serviços de saneamento com qualidade e eficiência. A nova lei reforça a vontade de maior eficiência no setor mencionando 19 vezes o termo “eficiência” (ou eficiente), 13 vezes “qualidade”, 10 vezes “perdas de água” e 4 vezes “energia”, indicando, portanto, que são assuntos que necessitam de diretrizes e regulamentação mais específica (PROEESA, 2021).
Merece destaque o Plano Nacional de Resíduos Sólidos (PLANARES), instituído pelo Decreto Federal nº 11.043/2022, como o principal instrumento previsto na Lei n° 12.305, de 2010 (PNRS). Ele traz as diretrizes, metas, estratégias e ações para modernizar a gestão de resíduos sólidos no País, colocando em prática as disposições da Lei. Além disso, reconhece que o modelo da economia linear “extrair-consumir-descartar” é insustentável, sendo tema central da Agenda 2030, adotada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 2015.
Esse plano de ação global reúne 17 objetivos de desenvolvimento sustentável (ODS) e 169 metas que envolvem vertentes econômicas, sociais e ambientais. Entre os ODS estão questões relativas ao saneamento básico, à redução de resíduos, à economia energética e à utilização de energias renováveis. Nesse contexto, os ODS só poderão ser alcançados em sua plenitude substituindo o atual paradigma de produção linear por um sistema de organização econômica baseado nos pressupostos da bioeconomia circular (BEC).
O antigo modelo que valorizava a centralização e verticalização dos empreendimentos tornou-se obsoleto, abrindo espaço para uma configuração dispersa das etapas de agregação de valor. Existe uma nova competição entre cadeias de suprimentos, em vez dos antigos elos, que são cada vez mais longas devido à terceirização ou à busca de recursos em localidades diversas. Em paralelo, a temática da sustentabilidade vem ampliando seu espaço na sociedade, dada a preocupação e conscientização crescente da população e dos governos sobre a preservação dos recursos naturais, do meio ambiente e de condições sociais justas.
A Bioeconomia (BE) pode ser definida como a produção, utilização, conservação e regeneração de recursos biológicos, incluindo conhecimento relacionado, ciência, tecnologia e inovação, para fornecer soluções sustentáveis (informações, produtos, processos e serviços) dentro e através de todos os setores econômicos, permitindo uma transformação para uma economia sustentável (Global Bioeconomy Summit, 2020).
A BE compreende todos os ramos primários da produção, incluindo o setor de saneamento básico, empregando recursos biológicos e técnicas para gerar produtos e serviços com base em resíduos líquidos e secos, enquanto cria novas cadeias de negócios, geração de empregos e renda. Decorre desse conceito de BE a BEC, que busca relacionar bioeconomia e economia circular.
Características fundamentais da BEC são o uso sustentável e eficiente dos recursos, valorização dos resíduos e uso em cascata, e a sustentabilidade englobando os pilares social, ambiental e econômico (STEGMANN et al., 2020).
Com os princípios da BEC e considerando a tecnologia de aterro sanitário (AS) para a destinação final de RSU, pode-se realizar o processamento da coleta seletiva e a produção de biopolpa e biogás, bem como o reaproveitamento e reciclagem de resíduos secos no âmbito de uma biorrefinaria anexa a um AS.
As biorrefinarias podem responder aos desafios da redução da utilização de recursos fósseis e do aquecimento global, cada vez mais sentido pelas alterações climáticas. Elas fornecem uma ampla gama de produtos a partir de matérias-primas renováveis, utilizando instalações que combinam tecnologias avançadas (TRL acima de 6).
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