Entender como pensam e o que desejam os trabalhadores paulistas, saber as barreiras que os afastam da indústria e por que o modelo de trabalho tradicional, com carteira assinada, deixou de ser atraente para esse público são alguns dos objetivos de duas pesquisas, quantitativa e qualitativa, encomendadas pela Fiesp e pelo Senai-SP ao Instituto Locomotiva.
A Fiesp também fez um levantamento junto à sua base industrial para entender as dificuldades que os empresários têm enfrentado para contratar mão de obra, problema relatado por 77,1% das empresas. O objetivo era saber qual foi o principal entrave para contratar, se o porte da empresa influencia a decisão, descobrir em qual faixa etária existe maior dificuldade de contratação e as áreas com maior necessidade de mão de obra.
No lançamento das pesquisas, durante o evento “A Força que Move a Indústria”, na terça-feira (27/5), transmitido na íntegra pelo canal da Fiesp no YouTube, o presidente da Fiesp, Josué Gomes da Silva, destacou a relevância dos dados e chamou atenção para outro ponto: o ambiente inóspito para o setor produtivo.
Josué criticou o aumento de impostos, que prejudica toda a economia, assim como as altas taxas de juros, e defendeu o aumento da produtividade como a saída mitigar a escassez de mão de obra. “Produtividade se faz com educação de qualidade e com mais investimento em bens de capital”, declarou.
Para o presidente do Ciesp, Rafael Cervone, está claro que uma indústria é forte é aquela que cria oportunidades profissionais sólidas, com melhores salários e possibilidades reais de ascensão social. “A indústria promove a inovação, o avanço tecnológico e é um pilar fundamental da economia de construção de uma sociedade mais desenvolvida e injusta”, afirmou.
Empreendedorismo X trabalho formal
O primeiro painel mostrou o novo perfil do trabalhador. Diante de um mercado de trabalho aquecido, com taxa de desemprego de apenas 6,2% no estado São Paulo e o maior nível de ocupação desde 2012, atrair mão de obra qualificada se tornou um desafio relevante para a indústria.
Hoje, o setor é a escolha de apenas 11% dos trabalhadores quando na geração anterior era de 24%, segundo a pesquisa encomendada por Fiesp e Senai-SP. Neste período, trabalhar por conta própria se tornou aspiração da maioria: é o desejo de 58% dos entrevistados, contra 45% da geração de seus pais.
Os dados compilados pelo Instituto Locomotiva mostram o apelo do discurso empreendedor. Empreender tornou-se o maior sonho profissional da maioria das pessoas ocupadas, o que vem afastando as pessoas do trabalho formal.
O Locomotiva ouviu em abril 1.503 homens e mulheres entre 18 e 29 anos inseridos na força de trabalho e, na pesquisa qualitativa, 24 ex-alunos do Senai-SP divididos entre os que seguem na indústria, entre os que mudaram de área, mas estão no mercado formal e os que hoje trabalham por conta própria.
No geral, apenas 27% dos trabalhadores paulistas estão plenamente satisfeitos com o trabalho. É o mesmo percentual de satisfação dos industriários – o mais alto entre o setor privado, seguido de 23% na construção, 21% nos serviços e 11% no comércio. Entre os trabalhadores por conta própria, o percentual de satisfação alcança 41% e entre os servidores públicos 47%.
O levantamento indica que o trabalho formal tem perdido força como promessa de estabilidade e crescimento, enquanto cresce o olhar, sobretudo dos mais jovens, para alternativas que oferecem mais autonomia, flexibilidade e possibilidade de renda.
Segundo a pesquisa, 67% concordam com a frase “acredito que o trabalho com carteira assinada deixou de garantir estabilidade e segurança para o futuro”. 64% dos entrevistados concordam com a afirmativa “o trabalho formal oferece pouca flexibilidade para conciliar vida pessoal e profissional”.
Flexibilidade e possibilidade de gerar mais renda
Na sua apresentação, Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, ressaltou que mais do que um apanhado de números, o levantamento é um convite para olharmos o mundo do trabalho pela perspectiva das pessoas. “A pesquisa mostra a história de brasileiros e brasileiras de várias idades que, a todo momento, estão decidindo o que é melhor para a sua vida hoje”, pontuou.
Ele ressaltou que o apagão de mão de obra não é exclusivo da indústria, está presente em diversos setores da economia – como varejo, serviços e tecnologia, evidenciando um desafio geral.
Ter mais flexibilidade e possibilidade de gerar renda mais rapidamente é um dos motivos que leva a nova geração a preferir empreender, em detrimento do trabalho na indústria, que é percebida por eles como ambiente mais engessado e com remuneração não tão atraente. Novas ocupações, como as de motoristas e entregadores de aplicativo, são valorizadas pelos jovens, que rejeitam o modelo de CLT.
Contribuem para essa visão as postagens de influenciadores digitais, que mostram apenas as vantagens das novas formas de trabalho e associam o modelo tradicional a maior dificuldade de acender socialmente e menor qualidade de vida.
“Trabalho deixou de ser sinônimo de emprego. Aquela segurança que o trabalho formal, com carteira assinada traz, também traz uma amarra que faz com que o trabalhador se sinta preso, com pouca flexibilidade para conciliar vida pessoal e profissional”, analisou Meirelles.
Embora a pesquisa mostre a elevada satisfação de quem trabalha por conta própria (41%), também revela muita insatisfação entre os autônomos. Neste segmento, 27% dos entrevistados se dizem insatisfeitos. Na indústria, os insatisfeitos são apenas 6%.
Uma das conclusões da pesquisa é que, embora tenha muitos pontos positivos, como segurança e oportunidades de crescimento, a indústria precisa buscar estratégias para mudar a percepção dos jovens sobre as carreiras industriais.
Indústrias paulistas enfrentam dificuldades para contratar
Do ponto de vista dos empresários, a Pesquisa Rumos da Indústria Paulista: Mercado de Trabalho, realizada pelo departamento de Economia da Fiesp, indica que 77,1% dos 87,3% industriais paulistas que buscaram contratação de novos funcionários entre o início de 2024 e março de 2025 tiveram dificuldades durante o processo.
O assunto foi abordado no painel sobre os aspectos econômicos, mediado por Igor Rocha, economista chefe da Fiesp. O professor titular de Economia na Cátedra Fundação Lemann do Insper, Rodrigo Soares, avaliou que os programas sociais, como o Bolsa Família, e o envelhecimento da população não são as principais causas da escassez de mão de obra.
“O desemprego baixo e os salários mais altos compõem esse quadro no auge do ciclo econômico, que é a dificuldade na contratação”, disse. Segundo Soares, existem outros fatores estruturais, como o educacional. “A força de trabalho melhorou nos últimos 30 anos e o trabalho qualificado se torna escasso”. A principal faixa etária em que as indústrias estão com dificuldade na contratação é a de 21 a 30 anos (61%), seguida pela de 31 a 40 anos (23,8%).
Participaram da pesquisa 369 indústrias de transformação do estado de São Paulo, de 12 segmentos, e de todos os tamanhos. O levantamento mapeou quais dificuldades o setor industrial enfrenta na contratação de mão de obra, quais perfis de trabalhadores são mais buscados e quais áreas são mais demandadas.
Fenômeno global
Basicamente, a falta de mão de obra é um fenômeno global que atinge tanto países emergentes quanto os desenvolvidos. “Existe o estreitamento entre oferta e demanda, que passa por fatores estruturais como a capacidade da força de trabalho e pela mudança das demandas”, disse o coordenador de Políticas Sociais e do Mercado de Trabalho do Institute of Labor Economics (IZA), Werner Eichhorst.
Criar oportunidades para que mais mulheres ingressem no mercado de trabalho, para imigrantes, jovens e idosos pode diminuir o déficit entre as vagas disponíveis e os trabalhadores.
“Precisamos correlacionar melhor as capacidades e necessidades presentes. A educação é importantíssima para que os trabalhadores se adaptem às mudanças tecnológicas, porque existem áreas em que ainda há muitas oportunidades”, completou. Eichhorst destacou a importância da educação profissional e citou o Senai como um exemplo de instituição que cumpre bem esse papel.
Menos pessoas disponíveis
Para o diretor regional do Senai-SP, Ricardo Terra, a menor disponibilidade de pessoas no mercado de trabalho se deve a questões demográficas e pela mudança do perfil do trabalhador.
“A participação de pessoas na força de trabalho ainda não retornou ao nível pré-pandemia, e no estado de São Paulo o saldo migratório dos últimos anos é negativo em quase 170 mil pessoas”, afirmou Terra. Durante décadas, São Paulo atraiu trabalhadores de várias regiões do Brasil, fato que não ocorre mais.
O gerente de Relações com Mercado do Senai-SP, Marcello Souza, chamou a atenção para a quantidade de Microempreendedores Individuais (MEIs), que somam mais de 4,4 milhões de trabalhadores formais contra 3,4 milhões na indústria paulista.
Terra ainda destacou a inversão da pirâmide demográfica. “Isso fará com que tenhamos ainda menos pessoas disponíveis no mercado de trabalho em 2050”, afirmou.
Neste contexto, segundo ele, a saída para a indústria é aumentar os ganhos de produtividade. Ele citou como exemplo uma empresa atendida pela Jornada de Transformação Digital, programa liderado por Fiesp e Senai-SP, que manteve a mesma produção com um quadro de funcionários 20% menor depois de aderir à jornada.
O evento teve ainda um painel dedicado aos aspectos jurídicos das relações do trabalho, com mediação de Flavio Unes, diretor titular do Departamento Jurídico (Dejur) da Fiesp. O foco foi a Justiça do Trabalho.
Luciano Timm, sócio fundador da CMT Carvalho, Machado e Timm Advogados defendeu uma Justiça do Trabalho menos paternalista.
Segundo ele, a insegurança jurídica na área trabalhista é um dos principais empecilhos a novos investimentos. “A Justiça do Trabalho ainda acredita no conflito capital/trabalho. Ela não pondera sobre os efeitos econômicos das suas decisões”, disse Timm.
Luciana Yeung, professora de Direito e Economia no Insper, destacou que o Brasil é amplamente conhecido pela alta litigiosidade, sendo um dos países com maior número de processos per capita no mundo.
“O mundo está evoluindo muito rápido, mas isso não está acontecendo no Judiciário. A Justiça do Trabalho não fomenta cooperação e sim o conflito. Ela pratica a litigância predatória”, criticou Yeung.
Fonte: FIESP SENAI