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Entrevista – SAF e o Setor de Celulose: uma oportunidade bilionária para a bioeconomia brasileira

No Brasil, estima-se uma produção de até 10 bilhões de litros de SAF/ano até 2040, com uso de etanol, resíduos agrícolas e biomassa florestal

Em um cenário global cada vez mais focado na sustentabilidade e na descarbonização, o setor de celulose brasileiro emerge como um protagonista inesperado na corrida pela produção de Combustível Sustentável de Aviação (SAF). Longe de ser apenas um fornecedor de papel e celulose, a indústria florestal do Brasil, com sua vasta disponibilidade de biomassa e expertise em biorrefinarias, está posicionada para se tornar um player estratégico na bioeconomia de baixo carbono, com um mercado global estimado em até US$ 500 bilhões anuais até 2050.

Para desvendar as oportunidades, os desafios e o futuro dessa intersecção promissora, o Newspulpaper conversou com Edemilson de Oliveira, Vice-Presidente de Negócios – Indústria, Energia, Infra / Gestão de Engenharia e Logística da AFRY, que compartilha sua visão sobre como a lignina e outros resíduos florestais podem impulsionar a produção de SAF, transformando o Brasil em um líder global neste mercado bilionário.

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1. O setor de celulose tem buscado diversificar seu portfólio com produtos de maior valor agregado. Na sua visão, qual o real potencial dessa indústria como fornecedora de matéria-prima (lignina/Biomassa) ou tecnologia para produção de SAF no Brasil?

O setor de celulose brasileiro tem grande potencial para se tornar um player relevante na cadeia de SAF, especialmente como fornecedor de lignina e operador de biorrefinarias. O sucesso dependerá de avanços tecnológicos, políticas públicas de incentivo e da articulação com o setor de aviação. Trata-se de uma oportunidade estratégica para liderar globalmente a bioeconomia de baixo carbono.

Mas há desafios a superar, como a questão da viabilidade econômica. Isso porque as tecnologias de conversão de lignina para SAF ainda têm alto custo e baixo rendimento, exigindo avanço tecnológico e ganho de escala.

2. A produção de SAF a partir de etanol (AtJ) e resíduos vegetais vem ganhando destaque. Quais tecnologias ainda precisam ser aprimoradas ou escaladas para que o setor de celulose se torne um player relevante nesse mercado?

A produção de SAF a partir de etanol (AtJ – Alcohol-to-Jet) e resíduos vegetais lignocelulósicos (biomassa) é uma rota promissora. No entanto, há gargalos tecnológicos e de escala que ainda precisam ser superados para que o setor de celulose se posicione como um player competitivo nessa cadeia.

Entre as principais tecnologias que ainda precisam ser aprimoradas ou escaladas nas frentes etanol (AtJ) e resíduos de biomassa, destacamos: Produção de etanol de Segunda Geração (a partir de resíduos florestais):

Embora o Brasil já produza etanol de Segunda Geração, a conversão de biomassa florestal (como resíduos de eucalipto) para etanol ainda enfrenta alguns desafios, tais como a implantação de sistemas de pré-tratamento eficiente da lignocelulose para liberar açúcares, a hidrólise enzimática que ainda é cara e ineficiente para os materiais ricos em lignina e também a fermentação de açucares de forma eficiente exige micro-organismos geneticamente modificados,

Conversão de etanol em olefinas e parafinas (AtJ):

Esta tecnologia consiste na desidratação catalítica de etanol em etileno, seguida de oligomerização, hidrogenação e isomerização que ainda está em fase de implantação das primeiras unidades em diversos países. O rendimento da conversão de etanol para hidrocarbonetos tipo querosene (SAF) é bom, mas os custos ainda são altos, especialmente sem subsídios.

Tecnologias emergentes que precisam avançar

(i) HTL (Hydrothermal Liquefaction), que converte lignina em bioóleo sob alta temperatura e pressão. Este bioóleo pode ser coprocessado em refinarias de petróleo para gerar SAF,

(ii)Pirólise avançada + upgrading, que consiste na pirólise rápida transforma lignina em óleo pirolítico e que exige posterior hidrotratamento (HDO).

(iii)Gaseificação + FT (Fischer-Tropsch) onde a biomassa é gaseificada em CO + H2 (syngas), a qual pode ser convertida em SAF via FT. É uma das rotas tecnicamente maduras, mas requer altíssimo CAPEX; precisa de escala mínima grande (300-500 kt/ano) e a gaseificação de lignina pura apresenta dificuldades operacionais.

Resumo: Tecnologias a escalar e aprimorar

EtapaTecnologia/DesafioStatus atualNecessidade
Produção de etanol 2GPré-tratamento e fermentação de lignocelulosePiloto/comercial inicialOtimizar rendimento e custo
Conversão AtJDe etanol para hidrocarbonetosPiloto/comercial inicialEscalonar e reduzir custo
Conversão de ligninaHTL, pirólise, gaseificaçãoPiloto/DemonstrativoMelhorar rendimento e pureza
Refino e upgradingHDO, FT, co-processingParcialmente comercialAumentar integração com outros setores industriais

3. Considerando a oferta de biomassa florestal proveniente de florestas plantadas e resíduos industriais do setor de celulose, como o senhor avalia a viabilidade técnica e econômica dessa matéria-prima frente à demanda crescente por SAF?

A biomassa florestal brasileira — especialmente os resíduos da indústria de celulose — tem viabilidade técnica alta e custo competitivo, mas ainda enfrenta barreiras tecnológicas e econômicas para se tornar uma fonte dominante de SAF no curto prazo.

No entanto, com avanços tecnológicos nas rotas de conversão (HTL, AtJ 2G), políticas públicas de incentivo (mandatos SAF, crédito de carbono) e parcerias estratégicas com o setor aéreo e de energia, o setor de celulose pode, em 5 a 10 anos, se posicionar como protagonista no fornecimento de matéria-prima renovável para SAF, com forte apelo sustentável e baixo impacto em uso de terra e alimentos.

4. Dentro da cadeia de produção de SAF no Brasil, quais setores hoje estão mais estruturados ou adiantados em termos de tecnologia, regulamentação e escala? O setor de celulose poderia aprender ou se integrar com algum deles?

No setor de óleo vegetal e gorduras residuais (HEFA), a rota HEFA (Hydroprocessed Esters and Fatty Acids) é a única comercialmente madura no mundo para SAF, usando óleo vegetal, gordura animal ou óleo de cozinha residual.

No Brasil, a Acelen, a Refinaria Riograndense e a Petrobras já anunciaram projetos de produção de diesel verde e SAF por essa via.

Quanto à regulamentação, o uso de HEFA já é reconhecido por padrões internacionais (ASTM D7566), e a certificação de feedstocks (como óleo usado ou gordura animal) é viável.

E, em uma perspectiva de mercado, ela atende também à demanda por diesel renovável, criando flexibilidade de mercado.

Nesse contexto, o setor de celulose pode aprender com os modelos de certificação e rastreabilidade de matéria-prima com base sustentável; entender como funciona a logística e integração com refinarias para coprocessamento e distribuição e usar a experiência com refino avançado e upgrading, aplicável a bioóleos derivados de lignina.

Já no setor sucroenergético (cana-de-açúcar e etanol), o Brasil domina a tecnologia de produção de etanol 1G e 2G, e já existem iniciativas para a implantação de projetos de conversão de etanol em SAF via a rota AtJ (Alcohol-to-Jet).

Quanto à regulamentação, o etanol já está totalmente inserido no RenovaBio, com cadeia certificada e rastreável, sendo uma base importante para o SAF via AtJ.

Além disso, há capacidade instalada e excedente de etanol, logística consolidada e know-how em exportação de biocombustíveis.

O que o setor de celulose pode aprender/integrar seria aproveitar o know-how do etanol 2G e seus gargalos técnicos; estabelecer parcerias com grupos sucroenergéticos que dominam a cadeia de produção e certificação do etanol → SAF; aplicar o modelo de créditos de descarbonização (CBIOs) já operacionalizado pelo setor e utilizar a sua escala de produção, junto com a biomassa disponível e o conhecimento de produção de bioóleo para liderar projetos de SAF florestal. A chave está na integração industrial e tecnológica com o setor de refino de O&G

5. A AFRY atua com diversos tipos de feedstocks e projetos internacionais de SAF. Que aprendizados ou cases internacionais poderiam inspirar ou ser adaptados para uma rota baseada em ativos da indústria de celulose brasileira?

A AFRY, como consultoria global em bioenergia e biorrefinarias, tem acesso direto a diversos projetos de SAF de última geração na Europa, América do Norte e Ásia. Com base nesse portfólio internacional, há lições valiosas e adaptáveis para a realidade brasileira, especialmente se o País quiser alavancar a indústria de celulose como pilar de uma futura biorrefinaria florestal.

Como exemplos de aprendizados e cases internacionais relevantes na visão da AFRY, temos:

Integração com indústrias existentes: o caso da UPM (Finlândia)

A UPM está construindo uma planta comercial de SAF em Roterdã, baseada em resíduos florestais e lignina, com investimento de €750 milhões.

A tecnologia empregada combina HTL (Hydrothermal Liquefaction) com upgrading em parceria com refinarias.

Além disso, o projeto integra a cadeia florestal existente da UPM, aproveitando know-how em biomassa, logística e produtos de alto valor agregado.

Aprendizado para o Brasil: O setor de celulose brasileiro, assim como a UPM, pode usar sua escala, biomassa disponível e o conhecimento em biorrefino (bioóleo) para liderar projetos de SAF florestal. A chave está na integração industrial e tecnológica com o setor de refino em O&G

Valorização da lignina como insumo energético: o case de Stora Enso e RenCom (Suécia)

A Stora Enso tem projetos que valorizam a lignina como insumo para combustíveis e produtos químicos renováveis, usando tecnologias como pirólise e catálise.

Em parceria com startups, exploram a modularização de unidades de conversão em escala local/regional.

Aprendizado para o Brasil: A lignina, muitas vezes queimada como combustível em fábricas de celulose brasileiras, pode ser redirecionada para fins nobres como SAF, com ganhos econômicos e ambientais. Isso exige P&D local, parcerias com startups ou universidades e modularidade.

6. Quais políticas públicas, incentivos ou marcos regulatórios ainda são necessários para destravar o investimento em projetos de SAF baseados em biomassa florestal?

Políticas públicas, incentivos e marcos regulatórios são fundamentais para transformar o potencial da biomassa florestal em realidade comercial dentro da cadeia de SAF no Brasil. Embora o País tenha uma base robusta de políticas para biocombustíveis (como o RenovaBio), ainda há lacunas regulatórias, financeiras e estratégicas que precisam ser endereçadas para atrair investimentos significativos em projetos de SAF baseados em lignina, resíduos florestais ou etanol 2G de celulose.

A exemplo do que já acontece em países como EUA, por meio do Inflation Reduction Act) e na União Europeia, com o RefuelEU Aviation, onde já existem mandatos de uso e metas claras de SAF, o Brasil necessita de um marco regulatório específico para o setor. Essa regulamentação precisa definir rotas elegíveis de produção (incluindo a de biomassa), estabelecer metas nacionais de mistura obrigatória (mandatos), e criar instrumentos de créditos de descarbonização próprios para SAF (análogos aos CBIOs do RenovaBio).

O RenovaBio é um case de sucesso, mas focado em combustíveis rodoviários e precisa ser expandido para SAF. Para isso, é necessário incluir, explicitamente, o SAF como elegível à geração de CBIOs; ajustar a metodologia de cálculo da pegada de carbono para contemplar rotas complexas como HTL, pirólise, AtJ, FT; e permitir a transferência dos CBIOs para o setor aéreo, criando atratividade financeira.

Sob o ponto de vista de incentivos fiscais e financiamento direcionado, a rota lignocelulósica (biomassa), que tem CAPEX e riscos tecnológicos altos, sendo pouco atrativa sem apoio público. Para sua viabilização, torna-se necessário contar com linhas de crédito específicas do BNDES, Finep ou Fundo Clima para biorrefinarias de SAF com base florestal; incentivos fiscais temporários para importação de equipamentos e construção de plantas-piloto, e o apoio a projetos de demonstração e P&D cooperativo, especialmente para rotas como HTL ou FT-Biomassa.

A fim de se reconhecer a biomassa florestal como feedstock sustentável e permitir que projetos brasileiros possam acessar os mercados internacionais de SAF, a regulamentação precisa reconhecer a biomassa de florestas plantadas certificadas como matéria-prima sustentável para SAF; a lignina e resíduos indústria de celulose como subprodutos com baixo impacto de uso da terra, e garantir o alinhamento com os padrões internacionais (CORSIA, EU RED II, ICAO).

7. Hoje se fala muito sobre o potencial do SAF, mas em termos concretos, qual é a previsão de quando esse mercado deve se tornar realidade no mundo e no Brasil, especificamente? Existe uma estimativa de volume que poderá ser movimentado, e quanto o setor de celulose poderia representar nisso?

O SAF é uma promessa concreta, mas o “quando” e o “quanto” importam muito, especialmente para setores como o de celulose decidirem se, como e quando entrar.

Em termos de prazo, algumas coisas precisam ser observadas. A partir de 2024, estamos vendo um aumento de projetos e contratos de offtake (Delta, United, Lufthansa, por exemplo), e, até 2030, devem entrar em operação biorrefinarias comerciais, a maioria baseada em HEFA e AtJ. A partir de 2030, o SAF pode representar de 5% a 10% do combustível de aviação global, com pressão de mandatos (EUA, UE, CORSIA). A meta da IATA e ICAO é de que até 65% do combustível da aviação em 2050 sejam SAF para atingir zero emissões líquidas.

No Brasil, entre 2027 e 2030, o SAF deve começar a ser usado em voos regulares e ser exportado, colocando o País na rota de se posicionar como fornecedor global. A expectativa, segundo projeções da ABAG e IEA Bioenergy, é de que, a partir de 2030, o Brasil tem potencial para responder por 5% a 10% do SAF mundial.

Em termos de demanda global de SAF e valores a serem movimentados, as projeções, até 2050, apontam para 300 milhões a 450 milhões de toneladas/ano, o que corresponde a um valor estimado do mercado global, de US$ 250 bilhões a 500 bilhões/ano. As rotas HEFA e AtJ devem dominar até 2035, e as rotas a partir da biomassa entram com mais força a partir daí.

Já no Brasil, estima-se uma produção de até 10 bilhões de litros de SAF/ano até 2040, com uso de etanol, resíduos agrícolas e biomassa florestal. Isso equivale de 8 milhões a 10 milhões de toneladas/ano, ou seja, até 3% da demanda global prevista, com um valor de mercado brasileiro estimado entre US$ 5 bilhões a 10 bilhões/ano (dependendo do preço do SAF e câmbio).

Os dados mostram que, em um cenário realista de participação do setor de celulose (com base em disponibilidade de biomassa e rotas tecnológicas) nesse mercado, é possível fornecer de 10% a 30% da biomassa necessária para produção de SAF no Brasil, dependendo do avanço tecnológico, tendo como principais vias o etanol 2G (AtJ), e a gaseificação de resíduos (→ FT-SAF).

Estimativa de contribuição:

AnoProdução nacional de SAF (estimada)Potencial do setor de celulose
20301–2 milhões de toneladas/ano100–300 mil t (5–15%)
20406–8 milhões t/ano600 mil – 2 milhões t (10–25%)
205010 milhões t/anoaté 3 milhões t (30%)

Um único projeto de biorrefinaria florestal de médio porte poderia produzir 50 mil a 150 mil toneladas de SAF/ano, dependendo da rota (HTL, FT, AtJ) e do mix de biomassa.

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