Uma grande dúvida para os players brasileiros de papelão ondulado no momento é o impacto que as inundações no Rio Grande do Sul terão sobre a demanda no País. Embora seja difícil de estimar, especialmente em meio a previsões reduzidas para o produto interno bruto (PIB), ainda acreditamos que as inundações terão um impacto relativamente limitado na demanda por produtos de papel ao longo de 2024, já que os efeitos negativos devem ser contrabalançados por consequências positivas e pontuais.
O consenso de mercado é que a previsão de crescimento do PIB, de 2% para o Brasil, provavelmente será reduzida em 0,3/0,4 pontos percentuais, já que o Rio Grande do Sul responde por aproximadamente 6,5% do PIB do País, mas com participações maiores tanto na produção industrial (cerca de 8%) quanto na agricultura (cerca de 13%). O estado, que abriga 10,8 milhões de pessoas, precisará de aproximadamente US$ 10 bilhões para a reconstrução, de acordo com algumas estimativas do Governo Federal. Várias fábricas de celulose e papel foram direta ou indiretamente afetadas pela tragédia.
É importante pontuar que, após outras catástrofes semelhantes ao redor do mundo, o PIB médio de um país afetado cai cerca de 1,5 ponto percentual, segundo estimativas publicadas pelo grupo de mídia Valor.
Então, o que isso significa para o consumo de produtos de papel? Para facilitar nossa explicação, abordaremos isso em dois períodos: curto prazo (próximos de 1 a 3 meses) e médio prazo (próximos de 4 a 12 meses).
Curto Prazo: Difícil de Avaliar
No curto prazo, esperamos que as taxas de operação nas fábricas existentes no estado diminuam, reduzindo a produção e o consumo de matérias-primas. No entanto, outras fábricas no Brasil podem aumentar temporariamente suas taxas de operação para compensar as perdas de produção nas fábricas do Rio Grande do Sul, sobretudo devido à baixa relevância do estado na participação da capacidade produtiva de embalagens brasileira. O estado abriga a fábrica da CMPC em Guaíba, que pode produzir 2,3 milhões de toneladas de celulose por ano e responde por aproximadamente 7,9% da capacidade total de celulose do País. Há também pelo menos sete produtores de tissue no estado, representando 90 mil toneladas por ano ou 3,7% da capacidade de tissue do Brasil e cerca de 77 mil toneladas ou aproximadamente 3% da capacidade total de papel para imprimir e escrever do Brasil. Por fim, há cerca de 107 mil toneladas de capacidade de papel para corrugar instaladas e outras 24 mil toneladas de outros papéis para embalagens industriais, representando 1,7% e 0,9%, respectivamente, da capacidade instalada no Brasil.
Assim, à primeira vista, a tragédia deve ter pouco impacto no lado da produção, independentemente do tipo de produto de papel analisado. No entanto, o consumo de produtos de papel pela indústria local cairá, pois os fabricantes paralisaram parcial ou totalmente suas linhas em meio ao desastre. Os principais impactos no consumo de papel para embalagens serão no papelão ondulado, embora este seja principalmente produzido fora do estado, e nos setores de proteína animal e alimentos, que estão relatando perdas de dois dígitos e perdendo produção à medida que insumos básicos, como ração animal, estão sendo racionados nas principais fazendas de carne bovina e de aves. As exportações também devem cair no curto prazo, reduzindo o consumo de papel para embalagens.
No entanto, o consumo de papelão ondulado também tem espaço para aumentar significativamente no curto prazo, pois pessoas em todo o país estão precisando de caixas para enviar doações às regiões afetadas, aumentando a demanda pelo produto e por transporte de carga. É difícil avaliar para que lado o efeito líquido no consumo — e na expedição — de caixas de papelão ondulado irá pender em maio e junho, dadas as duas forças opostas.
Médio Prazo: Demanda Crescerá Acima da Média
Olhando para os próximos 4 a 12 meses, é mais fácil prever que a demanda por produtos de papel crescerá mais rápido do que o ritmo usual, apesar da queda esperada no PIB para o período. Primeiro, podemos supor que uma parte significativa dos estoques de embalagens e papel da indústria local será perdida devido às inundações. Portanto, o fato de que a vida econômica retornará à normalidade é suficiente para prever um aumento anormal – e pontual – na demanda por esses produtos, que provavelmente serão fornecidos por estados não afetados pela tragédia, dada a baixa participação de capacidade de containerboard no Rio Grande do Sul. E isso é válido para todas as indústrias e atividades empresariais, não apenas para os grandes consumidores de embalagens e papel.
Em segundo lugar, podemos também supor que muitas empresas e pessoas terão que substituir parte de seus bens – mercadorias, maquinário, móveis e eletrodomésticos – devido às inundações. O aumento na demanda por esses bens duráveis deve apoiar a produção destes produtos em outras partes do País, estimulando assim o consumo de produtos de papel, especialmente embalagens, para transportá-los até o Rio Grande do Sul.
Em terceiro lugar, de uma perspectiva política, 2024 deve ser um ano de altos gastos públicos, já que as eleições municipais estão se aproximando. Anos eleitorais geralmente são caracterizados por um aumento nos gastos com publicidade, panfletos e até brindes distribuídos para aumentar a aprovação pública. Apesar das despesas governamentais serem limitadas por um teto de gastos, tragédias como essa costumam ser motivo para declarar situações de emergência e gastar além do orçamento previsto. Portanto, os incentivos para o governo aumentar os gastos são maiores do que o normal, dada a tragédia e proximidade das eleições.
No entanto, a perda de renda por parte de muitas pessoas será um ponto negativo, pois elas provavelmente dependerão de crédito para consertar suas casas e substituir bens duráveis, o que provavelmente limitará a demanda normal das famílias no médio prazo devido ao aumento dos níveis de endividamento, que já vinham surpreendendo negativamente em fevereiro e março, antes da tragédia.
Resumo: Forças Opostas se Compensam Mutuamente
Nossa conclusão preliminar sobre as consequências da tragédia que assolou o Estado do Rio Grande do Sul é que forças opostas – aquelas que aumentam a demanda e aquelas que a reduzem – devem ocorrer juntas no curto prazo, se compensando mutuamente e tornando isso um jogo de soma muito próxima ao zero. Qualquer ganho pontual da reconstrução provavelmente será imediatamente compensado por uma queda acentuada na demanda causada por níveis mais altos de endividamento do consumidor.
De uma perspectiva industrial, acreditamos que os ganhos com a reposição dos estoques de produtos de papel danificados no curto e médio prazo serão compensados por perdas de produção no curto prazo, com uma força compensando a outra. Portanto, não revisamos as nossas projeções de demanda para o Brasil divulgada em nosso último relatório Latin American Pulp & Paper Forecast para 2024, que é de crescimento de 1,7% para containerboard, 1,5% para outros tipos de embalagens industriais e 2,7% para tissue, e uma queda de 2,1% no papel para imprimir e escrever. Em termos de embarques totais de caixas e chapas de papelão ondulado apurados pela Empapel, ainda prevemos um aumento de 4,2%.
Os riscos para nossa análise estão principalmente relacionados aos impactos inflacionários causados pelas perdas de safras no Rio Grande do Sul. O estado é o maior produtor de arroz do Brasil e um importante produtor de alimentos frescos e in natura. Esses itens geralmente são bastante sensíveis a choques de oferta e pesam fortemente nos orçamentos dos consumidores. Portanto, um aumento repentino nos preços dos alimentos poderia levar a uma redução no poder de compra em todo o País, o que limitaria o consumo de produtos de papel em outras partes do Brasil.