POR FRANCISCO DE GODOY BUENO* e DIEGO CAMELO** – Muita saúva, pouca saúde: os males do Brasil são.” Essa frase conhecida de Mário de Andrade, na obra Macunaíma, representa em anedota uma realidade importante para a produção agropecuária brasileira. O controle das formigas cortadeiras, especialmente saúvas (Atta spp.) e quenquéns (Acromyrmex spp.), representa um dos desafios mais complexos e estratégicos para o setor florestal brasileiro. Esses formigueiros são verdadeiros “superorganismos”, com sistemas sociais altamente organizados, múltiplas castas e defesas naturais que dificultam a eliminação eficaz das colônias.
Sua voracidade impacta não apenas as plantações comerciais de eucalipto e pinus, mas também projetos de restauração ecológica e silvicultura de espécies nativas, prejudicando o alcance das metas de reflorestamento e conservação da biodiversidade.
Essa complexidade biológica reforça a importância do Manejo Integrado de Formigas Cortadeiras, uma abordagem que integra o monitoramento contínuo, o uso racional de defensivos, o manejo cultural e o desenvolvimento de soluções biológicas.
Vale ressaltar que o problema das formigas cortadeiras é particularmente grave em regiões tropicais, como o Brasil, onde as condições de temperatura e umidade favorecem o crescimento e a proliferação das colônias, tornando ainda mais urgente o desenvolvimento de estratégias eficazes de manejo.
O clima tropical impõe desafios adicionais à produção florestal e agrícola, como o aumento da pressão de pragas, a necessidade de estratégias integradas de manejo e a busca constante por soluções sustentáveis que conciliem produtividade, conservação ambiental e viabilidade econômica.
As empresas associadas à IBÁ têm investido em tecnologias de georreferenciamento, mapeamento e monitoramento de formigueiros, possibilitando um planejamento mais preciso e eficaz das ações de controle. Isso permite reduzir o uso de produtos químicos, minimizando impactos ambientais e maximizando a eficiência operacional.
Cabe lembrar que um diferencial do setor de árvores cultivadas é o compromisso com a conservação ambiental. Trata-se de uma indústria que planta, colhe e replanta em 10 milhões de hectares, preservando outros 6,9 milhões de hectares de florestas, uma extensão superior à do Estado do Rio de Janeiro.
Essa convivência entre áreas produtivas e de conservação, muitas vezes implementada por meio de mosaicos de paisagens, corredores ecológicos e reservas legais, fortalece a conectividade ambiental e protege recursos hídricos e a biodiversidade local.
As áreas de florestas plantadas e conservadas pelo setor abrigam mais de 8.300 espécies registradas da fauna e flora, incluindo centenas de espécies ameaçadas.
As empresas do setor também são líderes mundiais em certificação florestal internacional, com destaque para os selos FSC e PEFC. Em 2023, o Brasil alcançou mais de 10,6 milhões de hectares certificados, que evidenciam a adesão a rigorosos padrões socioambientais.
Essas certificações atestam o compromisso do setor com a governança ambiental, a rastreabilidade e a melhoria contínua, agregando valor aos produtos florestais brasileiros e fortalecendo a imagem do País como referência em manejo responsável.
Em linha com essa estratégia que coloca a sustentabilidade na espinha dorsal dos negócios, o setor de árvores cultivadas tem sido proativo na busca por soluções que substituam produtos químicos no combate a pragas e sejam alternativa viável e eficaz considerando a realidade produtiva do Brasil. Trata-se de um desafio relevante.
Assim, empresas, universidades e instituições de pesquisa vêm investindo em novas formulações e estratégias de controle, que incluem outros ingredientes ativos, além de métodos biológicos com fungos entomopatogênicos e parasitoides.
Os resultados em campo ainda não alcançaram a eficácia necessária, sobretudo em grandes formigueiros e em diferentes biomas brasileiros, onde a variabilidade climática e edafoclimática influencia diretamente a eficiência das iscas.
A transição para alternativas sustentáveis exige tempo, pesquisa e validação técnica. Nesse sentido, o setor vem trabalhando em um plano de transição estruturado em diferentes fases ao longo de sete anos, considerando o ciclo completo do eucalipto, principal espécie cultivada.
O objetivo é viabilizar uma substituição gradual, técnica e operacionalmente viável, alinhada às diretrizes da Convenção de Estocolmo e às políticas nacionais de proteção ambiental.
É fundamental que o processo regulatório seja ágil e equilibrado, considerando as metas ambientais, mas também a realidade produtiva e os compromissos sociais do setor.
A sinergia entre órgãos reguladores, empresas e instituições de pesquisa é essencial para viabilizar novas tecnologias de controle, ampliar a capacidade produtiva de alternativas e garantir a competitividade do Brasil no cenário global.
O País é uma das vitrines de sucesso da agricultura tropical. Passamos em 50 anos, com muita ciência e pesquisa aplicada, lideradas pela Embrapa, de um País importador de alimentos para o celeiro do mundo.
Mas há muitos desafios, e um deles é a defesa de pragas, que não encontra semelhança em plantios em áreas temperadas. Hoje falamos das formigas cortadeiras, mas há muitos outros exemplos, como o percevejo bronzeado (Thaumastocoris peregrinus) e o psilídeo de concha (Glycaspis brimblecombei).
O Manejo Integrado de Formigas Cortadeiras, aliado ao monitoramento contínuo e às práticas de certificação florestal, representa o caminho mais seguro para conciliar a produtividade, a conservação da biodiversidade e a responsabilidade socioambiental.
Somente com o equilíbrio entre inovação, regulação responsável e compromisso ambiental será possível superar um complexo desafio como esse, garantindo que o setor florestal brasileiro continue a ser referência mundial em manejo sustentável, conservação e geração de valor para o Brasil e para o planeta.
*FRANCISCO DE GODOY BUENO
Assessor jurídico, advogado do Bueno,
Mesquita e Advogados.
**DIEGO CAMELO
Coordenador de Políticas
Florestais e Sustentabilidade da IBÁ
LEIA AQUI O PDF DA COLUNA IBÁ – PUBLICADA NA EDIÇÃO DE JUNHO – DA REVISTA O PAPEL
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