A Coluna “Biomassa e Energia Renovável” traz este mês aos leitores da revista O Papel uma síntese do artigo ENTENDA AS MUDANÇAS CLIMÁTICAS, publicado pelo Instituto ClimaInfo sobre mudanças climáticas, para contribuir com o debate sobre as ações e políticas privadas e estatais para a mitigação e adaptação aos eventos climáticos extremos e a necessidade de pensar local para agir globalmente, visando a sua mitigação por meio, por exemplo, de fontes renováveis de energia, economia circular, etc.
Os eventos climáticos extremos, em todas as latitudes terrestres, são cada vez mais frequentes, com consequências dramáticas na maioria dos casos. As evidências a respeito das mudanças climáticas são cada vez mais claras e convincentes, mesmo para quem, há poucos anos, ignorava as advertências de organismos internacionais acreditados em estudo sobre esta temática.
Mas o que é o clima? Em relação a que condições essas transformações estão acontecendo? Falar sobre o clima é falar sobre um fenômeno que envolve sistemas e processos altamente complexos. Grosso modo, essa categoria de sistemas apresenta quatro características principais:
- São constituídos por uma grande quantidade de fatores variáveis que influem no seu comportamento.
Eis alguns exemplos de sistemas complexos: a atmosfera, o sistema econômico de um país, um ser vivo, biomas como o Amazônico e a Mata Atlântica, ou um sistema de computadores com elementos de inteligência artificial. No caso da atmosfera, alguns dos fatores que determinam seu comportamento são o ângulo de incidência da radiação solar – que depende da latitude e da época do ano –, os elementos e substâncias químicas que a compõem, sua densidade, pressão, temperatura, umidade relativa, intensidade, direção dos ventos predominantes e concentração de carbono. - Todos os fatores variáveis de um sistema ou processo complexo são interdependentes, interagem entre si o tempo todo.
- A evolução de um sistema complexo no tempo é altamente suscetível a alterações nas condições iniciais desses fatores.
Isso quer dizer que, em um sistema complexo, mesmo uma pequena alteração em apenas um de seus fatores variáveis pode levar a um estado final completamente diferente do que seria atingido sem a alteração. - A partir de determinados valores de um ou mais de seus fatores constituintes, os sistemas e processos complexos tendem a se adaptar às novas condições, podendo apresentar novas dinâmicas e um estado estável muito diferente da constância anterior.
Por isso, é mais preciso chamá-los de sistemas adaptativos complexos.
O clima no planeta é um sistema que se encaixa nessa categoria. Para compreendê-lo, é preciso levar em conta os fatores que o constituem, como interagem e a que novo estado estável ele pode ser conduzido a partir das mudanças que vêm ocorrendo. Note que um estado estável não significa, necessariamente, favorável à continuidade da vida como a conhecemos.
Para aprofundar um pouco a caracterização dos sistemas complexos, vejam dois contra exemplos:
- Estrelas – São objetos enormes, constituídos por matéria no estado de plasma. Cada estrela é uma imensa quantidade de partículas carregadas eletricamente e apresenta temperaturas que alcançam milhões de graus Celsius em seu núcleo. Os atributos físicos associados a elas são variáveis e interdependentes: a velocidade média dos íons que a compõem, a pressão nas diferentes camadas, os valores locais do seu campo magnético e as explosões de energia em sua superfície. Mesmo assim, uma estrela não é um sistema adaptativo complexo porque, após se formar, ela apenas evolui para um final previsível. Dependendo do valor de sua massa, uma estrela tem apenas três finais possíveis: i) uma estrela de nêutrons, ii) uma anã branca e iii) um buraco negro. As estrelas não se adaptam, apenas evoluem para um desses finais. Assim, por mais estranho que possa parecer, uma estrela é considerada um sistema evolutivo simples.
- Motor convencional a explosão versus motor flex – Motores são máquinas em que vários processos e fenômenos físicos são muito bem coordenados para funcionar bem. Mesmo assim, um motor convencional não é considerado um sistema adaptativo complexo nem um sistema evolutivo simples. Já o motor que funciona com gasolina, álcool ou qualquer mistura desses combustíveis tem um certo grau de complexidade no sentido que estamos enfatizando. Os gases que são expelidos depois da explosão passam por sensores que detectam as proporções de gasolina e álcool da mistura queimada e mandam essa informação para um sistema de controle. Este reprograma o funcionamento do motor de forma a extrair da máquina o máximo rendimento para aquela mistura de combustíveis. Apesar disso, não é nada convincente considerar o motor flex como um sistema adaptativo complexo.
O planeta Terra vive o Holoceno, época do período geológico Quaternário. O Holoceno teve início há cerca de 10 mil anos e é marcado por uma grande estabilidade dos fatores ambientais responsáveis pelo florescimento de inúmeras civilizações humanas ao redor do planeta e da riquíssima biodiversidade que povoa todas as latitudes.
No entanto, de algumas décadas para cá, a afirmação de que vivemos o Holoceno vem acompanhada de ressalvas: existe um reconhecimento generalizado de que os fatores ambientais que caracterizam o Holoceno já apresentam mudanças significativas, causadas pelas interferências humanas no ambiente natural. Os aumentos da frequência e da intensidade de eventos climáticos extremos são evidências de que essas mudanças são reais.
A disseminação desse reconhecimento fez surgir o conceito de Antropoceno, para se referir à era inaugurada pela Primeira Revolução Industrial, na Inglaterra, ao final do século 18 e início do século 19. A partir da intensificação da queima do carvão mineral, graças aos aperfeiçoamentos da máquina a vapor introduzidos pelo matemático e engenheiro britânico James Watt (1736-1819), a Revolução Industrial marcou o início da escalada das interferências humanas no clima de todo o planeta.
Mas quais são os fatores ambientais cujas mudanças têm potencial para criar um novo e indesejável estado estável no planeta?
Sérgio Margulis, em Mudanças do Clima, observa que “O fator mais elementar e importante da ciência do clima é provavelmente a radiação solar. Outros elementos incluem as massas de ar, sistemas de pressão, correntes oceânicas e topografia”. A rotação da Terra em torno do seu eixo determina o sentido preferencial dos ventos – de oeste para leste.
No documentário Rompendo Barreiras – Nosso planeta (Breaking Boundaries), Johan Rockström, físico sueco e pesquisador dos grandes sistemas que regulam o planeta, vai além e enumera os nove grandes subsistemas e processos que controlam o estabilidade das condições de vida na Terra, para os quais ele trabalha para definir limites que demarcam um espaço operacional seguro para a humanidade: mudanças climáticas; taxa de perda de biodiversidade terrestre e marinha; interferência com os ciclos do nitrogênio e do fósforo; destruição do ozônio atmosférico; acidificação dos oceanos; uso global da água doce; mudança no uso da terra; poluição química; e carregamento de aerossol atmosférico. Todos esses subsistemas e processos estão interligados e, como se vê, as mudanças climáticas constituem apenas um deles.
Pergunta: Estamos caminhando para o não retorno e aprofundamento do Antropoceno?
Na próxima coluna faremos uma síntese sobre radiação solar e efeito estufa; ventos predominantes no planeta; principais correntes oceânicas; continentes e topografia, entre outros tópicos afins às mudanças climáticas e eventos extremos. Não percam!