O setor de celulose e papel, um dos pilares estratégicos da economia brasileira, com exportações de US$ 11,8 bilhões em 2024 e contribuição de 1,2% ao PIB nacional, enfrenta um momento de transformação com a proximidade da implementação da Reforma Tributária, instituída pela Emenda Constitucional 132/2023 e regulamentada pela Lei Complementar 214/2025 (originada do PLP 68/2024).
Promulgada com o objetivo preliminar de simplificar o complexo sistema tributário brasileiro, o que se tem de texto aprovado até o momento consolida que a reforma não trouxe nada de simplicidade. Na verdade, a cada nova regulamentação vêm sendo acrescidas exceções, parâmetros regionais e proteções para setores e regiões. Em resumo, boa parte do conceito de uniformização e equidade já se perdeu mesmo antes da adoção das novas regras.
De maneira muito resumida, a nova legislação extingue impostos sobre a venda e comercialização de produtos e serviços – especificamente PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS – substituindo-os por um sistema de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) dual, composto pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), gerido pelos estados e municípios, e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), de competência federal.
Adicionalmente, será criado um Imposto Seletivo que substituirá parcialmente o IPI e incidirá sobre produtos escolhidos “a dedo” pelo Governo Federal, considerados prejudiciais à saúde e ao meio ambiente. A imprensa e o mercado logo apelidaram essa cobrança de “Imposto do Pecado”. A lista atual inclui tributação adicional para cigarros, bebidas alcoólicas, bebidas e alimentos com alto teor de açúcar, defensivos agrícolas, produtos prejudiciais ao meio ambiente (um conceito subjetivo) e veículos poluentes – incluindo carros elétricos, ou seja, todos os automóveis e motocicletas vendidos no país.
Por fim, a reforma prevê também a manutenção de diferenças setoriais e regionais, com incentivos tributários desiguais e a preservação de regimes especiais, como os da Zona Franca de Manaus (ZFM), das regiões incentivadas pela Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDENE), Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDAN) e Superintendência do Desenvolvimento do Centro-Oeste (SUDECO), que serão mantidos com revisões periódicas.
Competitividade global fortalecida pelas exportações
A Reforma Tributária posiciona o setor de celulose e papel como um dos principais beneficiados no âmbito das exportações, que alcançaram US$ 11,8 bilhões em 2024, representando aproximadamente 75% da produção de celulose, com a China absorvendo mais de 40% do volume exportado. A isenção do IBS e da CBS sobre as exportações contribui para manter a competitividade global de empresas como Suzano, Klabin, Eldorado e Veracel, com forte presença em mercados internacionais.
A reforma promete a recuperação mais rápida de créditos tributários, permitindo mais vigor no caixa para otimizar reinvestimentos e o pagamento rotineiro de fornecedores. A unificação de cinco tributos (PIS, COFINS, IPI, ICMS e ISS) em um IVA dual reduz custos administrativos e litígios, simplificando operações interestaduais – principalmente com relação ao pesadelo da atual regulamentação do ICMS.
Em um cenário de pressão sobre margens em mercados como a China, estoques elevados na Europa e disputas tarifárias entre diversas nações, ter uma estratégia clara de gestão de tesouraria e tributos se torna essencial.
Desafios nos custos operacionais e serviços terceirizados
A Reforma Tributária impõe desafios significativos ao setor de celulose e papel, com o segmento de serviços terceirizados emergindo como o mais impactado pela nova legislação, devido a um aumento expressivo da carga tributária. A alíquota-padrão prevista para o novo IVA dual está estimada para ficar acima de 28%, o que a coloca entre as mais altas do mundo.
Como não haverá créditos tributários sobre a mão de obra terceirizada – principal componente de custo em serviços como silvicultura, logística, manutenção e segurança – a tributação sobre essas atividades pode se elevar em até 96%, conforme estimativas da Fecomercio-SP.
Historicamente, o setor buscou eficiência operacional nas últimas décadas terceirizando atividades para empresas especializadas, reduzindo custos fixos e focando em competências essenciais como produção e inovação. Contudo, com o encarecimento dos serviços terceirizados pela reforma, é provável que as empresas reconsiderem essa estratégia em breve.
É altamente provável que os grandes e médios players do setor revisem a antiga abordagem de terceirização, optando por retornar ao modelo de verticalização das operações. “Primarizar” poderá ser a estratégia de sobrevivência em muitos casos.
Embora o fim da substituição tributária, previsto para 2033, possa aliviar custos embutidos em insumos, o impacto imediato é insuficiente para contrabalançar as pressões fiscais. Para enfrentar esse cenário, as empresas devem avaliar a internalização de serviços estratégicos, renegociar contratos com fornecedores para minimizar repasses de custos e investir em tecnologias que otimizem processos operacionais. A revisão das estratégias de terceirização será essencial para preservar margens e competitividade, especialmente no mercado interno.
Reciclagem de Papel: Um Segmento em Alerta
O setor de reciclagem de papel, responsável por reaproveitar 68% do papel consumido no Brasil, enfrentará um cenário preocupante com a nova legislação tributária. A ausência de incentivos fiscais, conforme criticado pela Associação Nacional dos Aparistas de Papel (ANAP), mantém a bitributação sobre aparas e papéis reciclados, com incidência de impostos como ICMS, PIS e COFINS, agora potencialmente agravada pelo IVA.
Esse quadro eleva os custos operacionais em um segmento de margens já reduzidas, entre 3% e 5%, e intensifica a competição com a celulose virgem, mais acessível devido à alta capacidade produtiva nacional. As empresas do setor vêm alertando sobre os desafios de manter a viabilidade econômica sem apoio fiscal.
Embora o Projeto de Lei 3.944/2024, que proíbe a importação de resíduos sólidos, possa estimular o uso de aparas locais, seu impacto é limitado sem medidas complementares.
As empresas devem intensificar o diálogo com o Governo e associações, como a Indústria Brasileira de Árvores (IBÁ) e a Associação Brasileira Técnica de Celulose e Papel (ABTCP), para pleitear incentivos fiscais, além de investir em tecnologias que otimizem o processamento de recicláveis e buscar parcerias com cooperativas para melhorar a eficiência da coleta.
Sem ações coordenadas, a reciclagem de papel corre o risco de perder espaço, comprometendo os avanços em sustentabilidade e toda a cadeia de embalagens de papel e papelão.
Transição Tributária: Oportunidades Temperadas por Incertezas
A transição para o novo sistema tributário, planejada para ocorrer entre 2026 e 2033, com a extinção gradual do ICMS, oferece ao setor de celulose e papel um período de adaptação que favorece empresas com maior capacidade financeira (indústrias de grande porte).
Esse cronograma permite planejar investimentos de longo prazo, como os R$ 105 bilhões anunciados pelas empresas do setor até 2028, incluindo projetos no Mato Grosso do Sul. No entanto, incertezas persistem, especialmente devido às revisões quinquenais de incentivos regionais e às restrições impostas a regimes especiais, como a remessa com fim específico de exportação, que agora exige prazos mais curtos e limites de patrimônio.
Pequenas empresas e recicladoras, com recursos limitados, podem enfrentar dificuldades para se ajustar à complexidade inicial do IVA dual. Para navegar esse período, eu recomendaria a contratação de consultorias especializadas em planejamento tributário, a modelagem de cenários para possíveis mudanças em incentivos e a participação ativa em fóruns setoriais para influenciar regulamentações complementares. A transição, embora promissora, exige vigilância para minimizar riscos operacionais.
Uniformização de Alíquotas e Reconfiguração Regional de Investimentos
Um dos objetivos centrais da Reforma Tributária era uniformizar as alíquotas dos impostos estaduais e municipais por meio do IBS, reduzindo as disputas por incentivos fiscais que caracterizam a chamada “guerra fiscal” entre estados. Historicamente, estados menos desenvolvidos atraíam investimentos industriais, como os do setor de celulose e papel, oferecendo benefícios fiscais generosos, a exemplo do Mato Grosso do Sul, que se consolidou como polo com projetos como o da Suzano (R$ 22,2 bilhões) e da Arauco (R$ 25 bilhões).
Contudo, com a padronização das alíquotas e a revisão periódica de incentivos, prevista para ocorrer a cada cinco anos, estados menos competitivos podem perder atratividade no longo prazo. Empresários do setor, ao decidir onde instalar novas plantas ou expandir operações, tendem a priorizar regiões com mão de obra mais qualificada, infraestrutura regional robusta e proximidade a centros consumidores ou grandes portos, como São Paulo, Paraná ou portos do Sudeste.
Além disso, com o imposto sendo tributação no destino, o grande vilão do transporte rodoviário interestadual perde relevância (ICMS). Como atualmente os grandes projetos industriais de celulose e papel estão buscando madeira em longuíssimas distâncias (muitos casos acima de 600 km), prevejo que num futuro muito próximo a seguinte estratégia será adotada para as novas grandes indústrias: os plantios deverão permanecer em regiões menos povoadas (terras mais baratas, mesmo que menos produtivas) e todo o cerne dos negócios (indústria, comercial e gestão) será alocado em locais com mais infraestrutura empresarial.
Essa reconfiguração pode redirecionar investimentos para estados já consolidados.
Demanda Interna e Precificação: Um Equilíbrio Delicado
A nova legislação tributária também influenciará a dinâmica de demanda interna e precificação no setor de celulose e papel, especialmente em segmentos como embalagens e papéis sanitários, e demais itens contidos na lista do Imposto Seletivo – na prática, o preço do produto ficará mais caro para o consumidor, mediante um imposto adicional cobrado pelo Governo.
A isenção de IBS e CBS para itens da cesta básica, incluindo produtos de higiene, tende a estabilizar os custos de insumos, beneficiando empresas que atendem ao mercado interno. Além disso, a obrigatoriedade de destacar os impostos nos preços finais aumenta a transparência, podendo atrair consumidores atentos à relação custo-benefício.
Contudo, a tributação no destino e o aumento dos custos de serviços terceirizados, como logística, certamente elevarão os preços de produtos finais, impactando a demanda em um mercado impulsionado pelo comércio eletrônico, que movimentou R$ 44,2 bilhões no primeiro trimestre de 2024.
A definição limitada da cesta básica, no âmbito da reforma, que desconsidera diversidades regionais, também pode gerar distorções na cadeia de suprimentos, afetando dessa forma preços de venda de produtos, o que impacta na demanda de embalagens, por exemplo.
Enfim, o cenário futuro é inserto e sem ponto de retorno. Cada companhia deve se preparar para esse novo aprendizado, sabendo que as regras do jogo certamente sofrerão correções ao longo dos anos do período de transição. Como dizem alguns, será como trocar a turbina com a aeronave em voo.
LEIA AQUI O PDF DA COLUNA ESTRATÉGIA E GESTÃO – EDIÇÃO MAIO/2025 DA REVISTA O PAPEL