Confiabilidade, integridade e disponibilidade de um sistema energético são aspectos de fundamental importância para a produção e o desenvolvimento de um país. Um dos desafios no processo da transição energética (descarbonização da matriz energética) é a necessidade de minimizar os impactos ambientais decorrentes do processo de geração de eletricidade e atender à demanda crescente do consumo de energia. Assim, a segurança e o desempenho energético apresentam implicações importantes nas dimensões econômica, social e ambiental. Em muitos casos, as consequências prejudiciais de uma falha nesse sistema podem ser reduzidas por meio de uma melhor gestão dos riscos e a implantação de boas práticas no projeto e na O&M (organização de sistemas e métodos) nas organizações.
Nos últimos anos, tem ocorrido avanços na identificação de vulnerabilidades, análise e gestão de risco nos sistemas de energia. A questão é saber se os responsáveis terão a sabedoria para aprender com as lições decorrentes da análise das falhas e acidentes e, assim, possam ser capazes de evitar e minimizar essas ocorrências nos sistemas de energia. O setor de energia é complexo e a sua estrutura envolve, entre outros aspectos, a disponibilidade e o custo das fontes de energia, interdependência e integração do sistema de Geração – Transmissão – Distribuição, processo de financiamento e projetos de investimentos, exploração, P&DI, tecnologias de conversão, políticas e regulamentação, comércio, planejamento, segurança e impactos ambientais, gestão e uso dos recursos energéticos.
Frequentemente, o desempenho de um sistema energético é avaliado quanto a sua capacidade para atender com qualidade a demanda atual e futura. Assim, planejar e garantir o adequado funcionamento da infraestrutura energética viabiliza estrategicamente condições para um melhor padrão de vida e o desenvolvimento econômico das organizações. A forma como são utilizados os recursos energéticos tem causado impactos ambientais e aumentado a vulnerabilidade e a exposição a riscos. O termo perigo pode ser associado a condições que podem ocorrer e apresentam potencial para causar danos às pessoas, instalações, meio ambiente e ao desenvolvimento. A vulnerabilidade refere-se a consequências previsíveis de um fenômeno. Assim, o risco é o resultado da combinação entre o perigo e a vulnerabilidade.
Na maior parte das vezes, as pessoas fazem julgamentos e tomam decisões adequadas. Mas nem sempre. Mesmo confiantes, sempre há a possibilidade de se tomar decisões erradas, e um observador externo (especialista) pode detectar com maior probabilidade erros ou desvios em um sistema. Em qualquer tipo de instalação e operação há a necessidade de conviver com o risco e a probabilidade da ocorrência de uma falha que pode afetar a realização dos objetivos. Para tanto, é importante conhecer e avaliar os riscos desde a fase do projeto e documentar os critérios e os limites de tolerância aceitáveis para as instalações em operação.
Os acidentes são eventos indesejados que podem afetar a integridade física das pessoas, o meio ambiente, as instalações e provocar, de maneira isolada ou simultaneamente, danos e perdas aos ativos de uma organização. Portanto, com base no histórico e nas características do sistema, devem ser avaliadas todas as atividades que envolvem riscos e podem deixar uma organização vulnerável a consequências indesejadas. A qualificação e quantificação da probabilidade de uma ocorrência deste tipo deve ser gerenciada para que o nível do risco seja prevenido, controlado e, caso ocorra uma falha, minimizado os impactos decorrentes.
As falhas operacionais estão associadas a pessoas, processos ou tecnologia, e devem fazer parte dos sistemas de medição e controle, pois, devido a sua natureza, histórico e probabilidade de ocorrência, podem ser previsíveis. Contudo, são as falhas imprevistas que dão origem aos principais riscos operacionais, pois os impactos e a frequência poderão ser incertos. Assim, na gestão dos riscos operacionais, é necessário uma abordagem estruturada e multidisciplinar, e, além dos aspectos técnicos, há também aspectos financeiros, ambientais e de regulamentação externa que precisam ser considerados.
A redução nas últimas décadas da participação do Estado brasileiro nos investimentos e na gestão no setor de energia foi acompanhada da criação de Agências Reguladoras e a privatização em segmentos desta atividade econômica, com o estado agora exercendo, entre outras funções, o estabelecimento de políticas, regulamentação, fiscalização, incentivo, planejamento e financiamento. É evidente que todos devem respeitar as normas técnicas e a legislação, e agir com ética. Assim, a legislação brasileira caracteriza a Responsabilidade Civil do Estado, Agências Reguladoras e das Empresas que atuam no setor de energia (Geração, Transmissão e Distribuição) quanto aos danos causados em decorrência de suas ações ou omissões, como também as qualificações, atribuições e responsabilidade técnica dos profissionais de engenharia.
O crescimento demográfico e a procura por níveis mais elevados de desenvolvimento e bem-estar social aumentam o consumo energético. As questões éticas nas atividades de engenharia envolvem uma variedade de atividades, incluindo o desenvolvimento de mecanismos e sistemas de energia, a avaliação dos riscos, custos, impactos e benefícios. Assim, os gestores e engenheiros são desafiados a encontrar soluções e, inevitavelmente, nas avaliações há escolhas tecnológicas, éticas e políticas que podem afetar a segurança, como também interferir no clima e causar impactos ambientais.
A integração dos sistemas de energia (Geração – Transmissão – Distribuição) reduz os custos da operação e viabiliza o atendimento ao mercado consumidor. No entanto, a gestão dos sistemas, a partir de diversas fontes de geração de energia, redes de transmissão e distribuição descentralizadas, aumenta a complexidade da coordenação. Mesmo assim, deve-se assegurar a operação dos ativos ao menor custo para fornecer os serviços com tarifas que viabilizem, além da lucratividade, a execução de investimentos (infraestrutura) e atualização tecnológica (modernização). Portanto, minimizar os riscos e garantir que as instalações forneçam energia com qualidade, eficiência, confiabilidade e segurança será sempre um desafio para o governo e a iniciativa privada devido às características das fontes de energia disponíveis, tecnologias de conversão, as cargas e taxas de utilização durante a vida útil das instalações, e o estado de conservação.
Em última análise, garantir 100% de confiabilidade e segurança é inatingível. Portanto, um sistema energético deve, conforme padrões aceitáveis de risco e o custo de eventuais falhas, ser planejado, projetado e operado para garantir a segurança, produção, disponibilidade e a eficiência requeridos. A engenharia sempre é desafiada a projetar, produzir e fornecer bens e serviços para atender às necessidades da sociedade, solucionando problemas e criando inovações tecnológicas que viabilizem um desempenho melhor e mais seguro para os ativos.
Inserido nesse contexto, as atividades de planejamento energético e O&M são fundamentais na gestão dos sistemas energéticos, pois, além de acompanhar o desempenho, agregam valor para as organizações ao garantir o suprimento de energia para a sociedade e a confiabilidade requeridas para as instalações e equipamentos durante a vida útil.
Agradecimentos: Agradeço aos Professores Sérgio Valdir Bajay e Flávio Mathias, pesquisadores colaboradores do Núcleo Interdisciplinar de Planejamento Energético (NIPE), UNICAMP, pela parceria na elaboração desta coluna para a Revista O Papel.