Você já teve a impressão de que o mundo está girando rápido demais? Como se fosse difícil acompanhar o ritmo ou, mais ainda, manter o equilíbrio emocional diante de tantas mudanças? Se sim, saiba que não está só e que essa sensação tem nome, causa e, felizmente, caminhos de ressignificação.
Leia aqui o PDF da Coluna Carreiras e Oportunidades – da edição de abril – Revista O Papel
Vivemos na chamada Era Exponencial. Uma era em que a tecnologia avança mais rápido do que nossa capacidade humana de adaptação. A cada dia, surgem novas ferramentas, novas linguagens, novas expectativas. E, ao mesmo tempo em que essa aceleração traz conquistas notáveis, ela também cobra um preço invisível: o cansaço psíquico, a confusão de identidade e uma crescente sensação de vazio.
Esse cenário se agrava com a desestruturação social. Instituições que por décadas serviram como pilares da convivência – como a família, a escola tradicional ou mesmo espaços de fé e comunidade – estão perdendo relevância.
As conexões profundas foram, em muitos casos, substituídas por laços frágeis, superficiais e filtrados por telas.
Em meio ao caos silencioso de uma epidemia de distração, ansiedade e desconexão emocional, líderes estão sendo convocados a algo maior do que simplesmente entregar resultados: estão sendo chamados a encontrar e viver seu propósito.
Mas o que, de fato, significa viver com propósito?
E por que isso tem se mostrado tão essencial – não apenas como conceito inspiracional, mas como fundamento neurobiológico, emocional e organizacional?
Muito além de frases de efeito
Antes de tudo, é importante desfazer o mito de que propósito é apenas mais um bordão corporativo ou uma promessa motivacional de autoajuda. O propósito real, aquele que transforma, não nasce de fórmulas mágicas. Ele é uma combinação poderosa de sonhos, metas, força de caráter e um sentido maior.
De contribuição. É construído no cruzamento entre o que nos move e o que o mundo precisa.
O psiquiatra austríaco Viktor Frankl, fundador da logoterapia, defendeu que o ser humano não é guiado apenas por prazer ou poder, como muitos pensavam, mas sim por um profundo desejo de encontrar sentido em sua existência. E isso faz toda diferença, especialmente em tempos adversos.
Para ele, quando temos um “porquê”, conseguimos suportar qualquer “como”.
Essa ideia não é apenas filosófica; é também profundamente terapêutica.
Líderes que operam com esse tipo de propósito não são super-heróis, mas seres humanos que se permitem fazer perguntas profundas, que acolhem o desconforto da incerteza e que, aos poucos, vão conectando seus talentos àquilo que é verdadeiramente significativo.
A neurociência do sentido
A ciência tem avançado enormemente na compreensão do que acontece no cérebro de pessoas que vivem com propósito.
Pesquisas lideradas por neurologistas, como Majid Fotuhi, publicadas em Practical Neurology, mostram que ter um propósito definido ativa regiões cerebrais ligadas à recompensa, motivação e bem-estar;
reduz em até 2,4 vezes o risco de desenvolver doenças neurodegenerativas, como Alzheimer;
diminui em 50% as chances de AVC, melhora significativamente a qualidade do sono e reduz em 57% os marcadores inflamatórios relacionados à mortalidade precoce.
Esses dados são impressionantes – mas fazem sentido quando compreendemos que o cérebro humano é, por natureza, um sistema que busca coerência e direção.
A explicação? Nosso cérebro é movido a significado.
Ele interpreta a realidade com base em narrativas coerentes. Ter um propósito dá ordem ao caos.
Ele atua como um “GPS existencial” que ajuda o cérebro a filtrar o que é relevante, a manter o foco e a resistir melhor aos estressores cotidianos. Quando líderes têm clareza de propósito, áreas do cérebro ligadas à tomada de decisão, empatia e autorregulação se ativam com mais eficiência.
Isso se traduz em maior resiliência diante de estresse e adversidades, melhor performance e conexões humanas mais autênticas.
Mas o que é propósito?
Propósito não é o mesmo que meta, nem é sinônimo de paixão.
Metas são tangíveis e mensuráveis.
Paixões são fontes de energia, mas passageiras.
O propósito, por sua vez, é a razão mais profunda de existir.
É o motivo pelo qual acordamos de manhã.
É o elo que une nossas paixões, talentos, valores e sonhos em algo que transcende o individual.
Para líderes, isso significa olhar para sua trajetória e se perguntar: “Para que estou fazendo o que faço?”
Não “o por quê”, mas para quê.
O propósito não elimina o sofrimento, mas o ressignifica.
Ele não impede a crise, mas dá a ela um contexto.
Na prática, líderes com propósito conseguem inspirar times mesmo em momentos adversos, porque suas ações não estão ancoradas apenas em metas mensais, mas em uma visão maior de impacto.
O propósito pode (e deve) ser construído com base em perguntas, como:
• O que me move de verdade?
• O que eu faço bem e amo fazer?
• De que maneira posso servir ao mundo com isso?
Essa construção exige tempo, escuta interna e coragem para rever crenças.
E, principalmente, requer autenticidade: um bom propósito não é copiado, é vivido.
Nesse contexto, o propósito não é apenas um discurso bonito.
Ele se manifesta em decisões mais éticas, em times mais engajados, em culturas organizacionais mais humanas e produtivas.
Ele se traduz em clareza, energia e uma visão de longo prazo que inspira, mesmo quando o caminho parece incerto.
Liderar com propósito é liderar com humanidade
Mais do que nunca, precisamos de líderes que inspirem, não por serem perfeitos, mas por serem inteiros;
que abracem suas vulnerabilidades e fortalezas e que tenham coragem de viver aquilo que pregam.
Isso não exige fórmulas prontas. Exige presença. Coerência.
E, principalmente, vontade de fazer da liderança um instrumento de transformação pessoal, coletivo e organizacional.
Em um mundo que muitas vezes oferece atalhos vazios, liderar com propósito é escolher a profundidade.
É trocar a performance solitária pela realização compartilhada.
É entender que, no fim, o cume que buscamos não é um cargo, mas um legado.
Então, se você é líder, permita-se parar por alguns instantes.
Silenciar as notificações.
Olhar para além das entregas.
E se perguntar: tudo isso é para quê?
A resposta não virá de imediato.
Mas a busca já é, por si só, transformadora. ■
Um forte abraço,
Lien Mendes
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Nota (pesquisa citada): Source: Practical Neurology; The Science Behind the Powerful Benefits of Having a Purpose; Purpose in life is
one of the main components of Quality of Life. By Majid Fotuhi, MD, PhD And Sara Mehr, September 2015.